sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Missi Dominici: Os Enviados do Senhor - Resenha

Capa do livro "Missi Dominici"
"TEMA O PECADO. TEMA AS BRUXAS. MAS, ACIMA DE TUDO, TEMA A INQUISIÇÃO"

Após uma devastadora tempestade de granizo - tida por todos como obra de feitiçaria - um tribunal inquisitorial do Santo Ofício é instalado no condado de Basonvil, para julgar as denúncias e punir os hereges.


Cristine, jovem habitante do condado, sofre com o estigma de ter tido o casamento anulado, após ter sido injustamente acusada de não ter se casado virgem e se verá diante da oportunidade de "recuperar a virgindade" através de um ritual de bruxaria. 


A chegada de Pérsio, "O Agnóstico" - um homem em busca de vingança contra o inquisidor Ignácio Jacobus - modificará, para sempre, a vida de Cristine, mas ela precisará mais do que a força do amor humano para vencer.


E aqui estou eu, falando novamente sobre a inquisição. Tema de fundo do livro A Revolta do Inquisidor, o qual tive o prazer de resenha-lo. 

E também sob o mesmo selo do Talentos da Literatura Brasileira, da editora Novo Século, é publicado o livro Missi Dominici, do autor Alessandro Mendonça, que confiou na competência do blog e me deu a oportunidade de ler seu livro e resenha-lo aqui. Por isso não posso deixar de agradece-lo: Obrigado pela oportunidade!

Como falei, esse livro é mais um clássico ambientado no período da inquisição. Diferente do livro passado que eu li sobre esse assunto, este livro é mais focado na busca pelos hereges, ao passo que o outro era voltado à quantidade de documentos importantes eliminados pela Igreja em uma tentativa de conter a inteligência do povo, alegando que tais papeis eram de pura blasfêmia à palavra do Senhor.

“Cristine ouvira falar que a Igreja estava sendo contestada em muitos lugares e em outros países. Soubera que não apenas bruxas e pessoas ligadas ao ocultismo estavam sendo presas e mortas, mas também outras que se diziam cristãs, mas que os tribunais eclesiásticos e os inquisidores consideravam hereges. E se não fossem? E se fossem chamadas de hereges e bruxas apenas por serem diferentes? Não fizeram o mesmo a Jesus, os religiosos de sua época?” — Pagina 58.

Entretanto ao ler a sinopse deste livro imaginei algo bem mais pesado. Meu conhecimento pelo assunto me levou a crer que haveria no livro muitas cenas de terror. Cenas que eram bem características do período inquisitorial. Porém o inquisidor da ficção em questão, Jacobus, era bem contido nas execuções. Claro que as torturas eram mencionadas, mas os detalhes mais macabros, por assim dizer, foram censurados. Fato que não impediu a apreciação da obra, pois deixando isso de lado, temos diversos temas interessantes que foram abordados. 

Livro Missi Dominici - Alessandro MendonçaA narração do livro, feita através de relatos que não seguiam uma linha de tempo fixa — Hora ia e hora voltava no tempo —, nos transporta ao cotidiano do condado de Basonvil. Percebemos que a sociedade, como era comum na época, tinha uma grande ligação com a igreja, as vezes mais por obrigação do que por . Enfim... Nesta sociedade todos ouviam, ou temiam, a igreja. Orgão que incitava o medo na população para que todos andassem na linha. E se isso não acontecesse... Bem ja sabemos o que acontecia.

"Cristine contemplava o quadro ao lado da amiga, Ângela e perguntava-lhe por que um quadro assim  ficava exposto na Casa do Senhor. ‘Deveria haver um quadro do céu’, dizia. Mas Ângela lhe explicava que as pessoas deviam temer a morte e o juízo final. Deviam contemplar aquilo que as motivasse à obediência e à fidelidade a Santa Igreja.” — Pagina 23.

Cristine. Um personagem que confesso: Me decepcionei um pouco. Ao ler a sinopse me transmitia a imagem de uma personagem que teria muita importância nos acontecimentos da história. Mas não foi bem isso que percebi. Esperava mais dela. E por mais que eu pense isso, não poderia deixar de descredita-la, pois a história querendo ou não gira em torno dela. A maioria dos acontecimentos importantes que aconteceram não teriam acontecido sem ela. 

E como mostra a citação a cima, Cristine está confusa sobre o que acreditar. Ela deve ter fé no que a igreja diz? Isso é o que ela quer mas seus sonhos noturnos são tão tentadores, em seus sonhos Cristine é atraída pelo que a igreja condena. Como dizem os velhos ditados: O proibido é sempre mais tentador.

“Refeitos os ânimos, todas se deram as mãos e, então, passaram a entoar cânticos e preces. Antes, porém, colheram galhos secos e atiçaram as chamas da fogueira.” — Pagina 44.

O que não falta na história é o medo em que a população sente da igreja, mas mesmo assim o condado de Basonvil não poderia deixar de estar cheio de grupos secretos e de pessoas vivendo as escondidas. As vezes para apenas seguir uma fé diferente do que a igreja católica pregava. Crença essa muitas vezes inofensiva ao povo, outra vezes nem tanto.

Ter o êxtase de fazer algo proibido pela igreja (Sabendo que isso pode inclusive ser punido com a morte) ou viver monotonamente (Monotonamente neste sentido seja viver com medo, porque nesta época viver com medo era viver normalmente) seguindo as regras impostas por ela? 

Esse que é o grande paradigma da história. 

 — Sim. Mas e se não fosse errado? Quero dizer, e se nós… E se nós estivéssemos servindo a Deus do jeito errado? Ou se Deus fosse o Diabo e o Diabo fosse Deus?” —  Pagina 134.

E neste lugar onde tudo diferente é proibido, personalidades curiosas não se contém e vão atrás do velho e tentador perigo. Este é o caso de Keira, que em uma brincadeira acabou por ter o desejo de tornar-se bruxa, e para isso não negaria esforços em sua mente louca para realizar tal vontade. Seja seduzindo o sacerdote bibliotecário ou por invencionices de sua mente insana. 

“Então, o medo instalou-se na casa de Cristine. Medo das suspeitas, medo das denuncias e dos vizinhos. Em especial, daqueles menos afeitos a Aldenora. E não eram poucos.” — Pagina 121.

Enquanto muitos almejavam por conhecimentos proibidos, muitos outros entocavam-se em casa buscando e muitas vezes inventado algo para denunciar ao inquisidor, tudo isso para redirecionar a atenção do inquisidor para longe e assim manter-se seguros. 

Essas denuncias deixavam todos transtornados, porque apenas uma simples ida a floresta poderia causar uma grande repercução através das fofocas dos moradores, podendo não ser interpretada com bons olhos pelo inquisidor. E esse interesse todo poderia desencadear segredos e mistérios a muitos anos escondidos. Ou seja... O movimento no condado de Basonvil não significava coisa boa.

“(…) Esse é o problema com as maioria: Elas sempre se corrompem. Não lhe parece que a verdade sempre esteve com a minoria? Jesus e seus discípulos eram a minoria. (…)” — Pagina 174.

Outro personagem que me decepcionou foi o Pércio, pela sinopse vemos alguém espetacular mas assim como Cristine, isso não aconteceu do jeito esperado. E novamente diferente dela, ele não estava relacionado a tantos acontecimentos importantes assim, na verdade na maior parte da história ele ficou neutro. Mesmo assim não deixa de ser um personagem interessante. 

Pérsio foi um sacerdote assistente de Jacobus que descobriu que seu mestre era na verdade um pecador sujo e desprezível. Resolveu botar a boca no trombone e denuncia-lo. E através de um julgamento que supostamente seria mediado pela vontade de Deus, ele acabou por ser sentenciado. Essa injustiça não foi aceita por ele. Ser ignorado pelo senhor acabou por fazer Pérsio desacreditar dos ensinamentos da igreja e assim virar Ateu. Tendo agora como único objetivo vingar-se de Jacobus. 

Gostei do rumo que a história tomou, e do jeito que ela foi escrita. Gostei muito dos personagens, entretanto considero a sinopse do livro um tanto sensacionalista, nos fazendo pensar algo que na história em si não é exatamente a mesma coisa.

Mas enfim, o livro foi perfeito. Gostei muito mesmo, pois ja gostava da temática da história e com ótimos personagens só fizeram por aumentar meu interesse pelo assunto. Além disso a história foi super bem estruturada. Recomendo para todos!

E para quem interessou-se, assim como sempre, indico os links abaixo: